sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Libertação

por H. Thiesen 

Em 1996, eu era uma garota um pouco revoltada. Eu trabalhava como comissária de bordo em uma empresa brasileira, que neste mesmo ano havia expandido seus serviços para todo o território nacional. Era quase final de ano e havíamos perdido em um acidente aéreo alguns colegas de trabalho, eles não faziam parte constantemente da minha vida, eu sequer tinha contato com eles, talvez os tenha visto entre uma e outra viagem, mas particularmente eu estava chocada e a fim de desistir da minha profissão. Medo eu não tinha de morrer, mas aquele acidente me abalou profundamente.
Eu já falava inglês e espanhol fluentemente, por isso, ainda naquele mesmo ano, recebi uma proposta para trabalhar em uma empresa aérea do exterior.
Antes de continuar, gostaria de falar um pouco ao meu respeito. Eu fui uma criança e adolescente normal, com todos os problemas da idade. Meu pai faleceu quando eu tinha quatorze anos e minha mãe começou a trabalhar para sustentar, eu e Bia a minha irmã mais nova, na época com dois anos de idade. Enquanto minha mãe trabalhava no turno da tarde, eu a ajudava na casa e cuidava de Bia e estudava pela manhã. Terminei o fundamental e o segundo grau com muito esforço. Logo depois que terminei o segundo grau, minha mãe resolveu que eu deveria fazer um curso profissionalizante e me inscreveu numa escola para profissionais de aviação, dando o ponta-pé inicial e realizando um dos meus maiores sonhos: Ser uma aeromoça!
Apesar de estar realizando o sonho da minha vida, eu não era feliz, sentia um vazio enorme dentro do meu peito, achava que tudo era muito difícil para mim e para a minha família, resumindo eu vivia revoltada com a vida, algo que não era muito comum, a uma adolescente, criada sob a orientação da Doutrina Espírita.
Até o recebimento da proposta, minha vida e minha opinião sobre as dificuldades, continuaram as mesmas e aceitei ir trabalhar no exterior, mais por espírito de aventura, do que por convicção. Achei que longe, eu poderia ser mais feliz, um pensamento egoísta, pois pensei mais em mim do que em minha mãe e em minha irmã. Por outro lado, eu sabia que financeiramente eu poderia as ajudar de maneira bem melhor.
Embarquei num avião para a Inglaterra e depois fui para a Índia, trabalhar em uma subsidiária e indo morar em um hotel, onde permaneci dois anos e assim inicia a minha mudança de pensamento a respeito da vida.
Inicialmente achei o país medíocre, a cidade imunda e as pessoas muito estranhas. No hotel eu tinha tudo, ar condicionado, boa comida e tudo para garantir o meu conforto, mas bastava colocar o pé para fora, a miséria era gritante (ainda é), sujeira pelas calçadas, pessoas sujas pedindo esmola e amontoadas nas soleiras dos prédios.
Notei, que diferente do Brasil, quando um pobre ganha um pedaço de pão, corre para se esconder e comê-lo sozinho, eles, por mais diminuta que fosse a fatia, dividiam e ela passava de mão em mão e em cada uma das mãos, ficava uma pequena pedaço. Eles dividiam as suas misérias e cada um procurava minimizar a miséria do outro, nada mais, nada menos do que repartir o pão!
O que me chamou a atenção era as crianças, pequenas, raquíticas e mal nutridas. Cada vez que saía ou chegava ao hotel, não podia deixar de olhar para elas. A maioria das vezes, eu apenas sorria e seguia o meu caminho. Certo tempo depois, eu comecei a comprar pão e trazer comigo, cada vez que passava por elas, eu estendia a sacola de papel e uma ou outra criança corria para pegá-la, qualquer uma delas me retribuía com um sorriso e eu fazia o mesmo.
Um dia, antes de sair do hotel, comprei alguns doces e balas, colocando junto aos pães e como costumeiramente, ao pisar na calçada estendi o braço e uma menina veio correndo em minha direção. Ela parou, antes de segurar a sacola, sorriu e me disse, no seu idioma, o qual eu já entendia um pouco:
- Moça, você sabe que eu sou muito feliz!
Surpresa, eu perguntei por quê? Achando que a resposta seria sobre as doações que eu fazia para eles, mas não:
- Por que eu posso ver o teu sorriso!
Ela pegou a sacola, se afastou e foi ao encontro dos outros. Eu fiquei para e com a boca aberta, fui pega de surpresa.
Naquele dia passei o dia inteiro com aquelas palavras na cabeça e elas foram o ponto de partida para uma nova Lena:
- Como eu posso ser infeliz, tendo tudo o que eu tenho e apenas o meu sorriso pode fazer uma criança feliz!
Daquele dia em diante a minha vida mudou, o vazio que eu sentia aos poucos se desfez, a amargura ficou mais doce e a revolta dentro de mim começou a se amenizar! A Leninha morreu e a Helena nasceu.
Algum tempo depois, voltei ao Brasil, para resgatar a minha vida novamente, junto a tudo que tinha deixado devido a minha revolta, para rever meus valores e a minha família e, somente depois, mais amadurecida e sabendo realmente o que eu queria da minha vida, voltei para o exterior, fui morar na Espanha, voltei novamente e algum tempo depois fui morar na Inglaterra. Mas, mesmo com a distância de casa, nunca mais senti a solidão!

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Reencarnação

por H. Thiesen 

O dia tem seu fim com a chegada da noite e torna-se um novo dia com o nascer do sol. Uma estação, depois do seu trimestre respectivo, dá lugar à outra. Com o passar do tempo, as gerações nascem e outras morrem. Os velhos cedem seu lugar na Crosta aos jovens, que envelhecem e cedem seu lugar como os primeiros. A sucessão contínua, como um ciclo de nascimento, morte e renascimento. 
A vida é cíclica e permeia a natureza, embora  ela pareça ser linear. Os componentes de um ser hoje, depois da sua morte, serão os mesmo elementos químicos que farão parte de outro ser no futuro. Na Natureza nada se perde, tudo se transforma e é reaproveitado. Então não é absurdo que alguns investigadores da Antiguidade, tenham analisado a aparente linha reta da existência humana e sugerido que a vida, assim como a Natureza, podem ser ciclos e não um horizonte linear. Várias religiões, filosofias e movimentos adotaram a crença de que a vida é cíclica, ou em outras palavras, de que a reencarnação existe.
Reencarnação, é um conceito no qual a alma, ou um aspecto dela, renasce em vidas sucessivas, sempre em direção de um caminho que leve ao encerramento do ciclo de nascimento, morte e renascimento. A grande maioria das religiões reencarnacionistas considera este o caminho para a purificação e salvação da alma.
No entanto, para os seguidores das religiões cristãs (na sua maioria), judaísmo e islamismo, a ideia da reencarnação parece estranha, pois tais religiões entendem a vida como linear (início, meio e fim). Ou seja, a existência aqui na Terra é apenas um passo que determina a qualidade da vida após a morte, em um local que for estipulado (céu ou inferno). Para quem acredita na existência de uma única vida terrena, seguida de uma vida eterna após a morte, a reencarnação é como uma infindável maratona no lugar de uma corrida de cem metros rasos.
Ao contrário do que todos pensam, o objetivo da reencarnação não é voltar à vida ciclicamente e indefinidamente, mas aproveitar para que cada uma dessas voltas seja o final do ciclo, atingir definitivamente a purificação e não voltar mais, unindo-se aos Seres Elevados e perto de Deus!

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

O poder da Palavra!

por H. Thiesen 

Ele era um renomado orador e palestrante, dizia que gostava de passar adiante o que sabia, ensinar o que havia aprendido e gostava de ser chamado para fazer suas palestras. Mas infelizmente, era era igual a tantos outros, que gostam de paparico, correm atrás da fama e adoram de ter mais e mais ouvintes.
Havia um velho, de idade muita avançada, que gostava de ouvi-lo e onde ele palestrava, o idoso com todas as suas dificuldades, se dispunha a ir e ouvir o que ele dizia. Ora, ele precisava aprender, saber sobre o amor verdadeiro, compreender o que era a tal da caridade!
Ao final de cada palestra, o palestrante arrumava seu material, juntava seus livros e anotações, dirigia-se para a porta de saída, com o peito estufado e orgulhoso, por ter sido escutado e ver o sorriso no rosto dos ouvintes. Sinal que agradou e que foi bem sucedido na sua explanação.
O velhinho olhava-o passar e o palestrante, apesar vê-lo em todas as suas palestras, sequer o cumprimentava, nem mesmo dirigia-lhe um leve sorriso.
Alguns anos passaram e o palestrante, do alto do seu púlpito, notou que o velhinho desaparecera:
- Ora, morreu ou encheu o saco! - pensou.
O palestrante, segui seu caminho, orando e exercitando a sua palavra. Cada dia ficava mais famoso pela sua capacidade de explanação e orgulhoso pelas assistências e audiências que recebia. Logo, recebeu convites para entrevistas em rádios e televisões. Suas palavras iam longe. Já chamavam-no de mestre!
Mas, chegou o seu dia, aquele dia que determina o fim da missão.
Qual foi a sua surpresa! Ele esperava acordar do outro lado em um local prazeroso, cercado de amigos e feliz, afinal, ele achava que tudo o que fez durante a sua caminhada terrena, havia lhe dado merecimento para receber melhor tratamento.
Ele sentiu-se perdido, sozinho e sem saber o que fazer do lado de lá. Logo o desespero tomou conta do seu espírito e acabou por leva-lo à escuridão e a cegueira. Caminhava, pensava e sentia-se cada vez mais sozinho. Esqueceu-se de tudo o que aprendera. Clamava por justiça. Gritava por socorro. Em sua volta somente escuridão.
- Sempre fui dedicado! Ensinei tanta gente e é isso o que eu mereço? Onde estão aqueles que ensinei e que fiz melhorar de vida? São todos uns traidores e me deixaram nessa solidão imensa e nesse vazio sem fim!
Depois de anos de agonia e sofrimento, ele lembrou que podia pedir. E, fez uma pequena prece.
Sentiu por instantes, seu espírito se aquecer e encontrou um pouco de paz. Lembrou-se então das suas palestras, lembrou-se das lições que ensinou e mais uma vez decidiu orar, e disse uma outra prece, a qual retirou de dentro do seu coração.
Ao terminar, viu um ponto de luz e caminhou até ele, cada passo sentia sua fé aumentar, precisava chegar e a luz ficava mais forte. Da luz veio ao seu encontro um ser luminoso, que a sua claridade cegava os olhos e mesmo forçando os olhos, ele não podia ver quem era.
Aquele ser luminoso ao alcança-lo, estendeu-lhe a mão e o palestrante a segurou:
- Você? O velho que assistia as minhas palestras? - Perguntou o palestrante surpreso.
- Sim sou eu, meu amigo! - respondeu-lhe o ser.
- Como? Era eu que ensinava e fiz tanto por tanta gente, fiquei nesta situação? E você, somente escutava!
- Ora meu amigo - respondeu o ser iluminado - eu te escutava, mas vivia conforme tu me ensinavas!