segunda-feira, 26 de março de 2012

Jesus: Bíblico e Histórico

por H. Thiesen 

JESUS BÍBLICO

Jesus é a figura central do cristianismo. Para a maioria dos cristãos ele é a encarnação de Deus, o "Filho de Deus", que teria sido enviado à Terra para salvar a humanidade. Acreditam que foi crucificado, morto, desceu à mansão dos mortos e ressuscitou ao terceiro dia (na Páscoa). Para os adeptos do islamismo, Jesus é conhecido no idioma árabe como Isa, Ibn Maryam ("Jesus, filho de Maria"). Os muçulmanos tratam-no como um grande profeta e aguardam seu retorno antes do Juízo Final. Alguns segmentos do judaísmo o consideram um profeta, outros um apóstata. A Bíblia é umas das principais fontes de informação sobre ele. 
Embora tenha pregado apenas em regiões próximas de onde nasceu, a província romana da Judéia, sua influência difundiu-se enormemente ao longo dos séculos após a sua morte. Ele pode ser considerado como uma das figuras centrais da cultura ocidental. 
Grande parte do que é conhecido sobre a vida e os ensinamentos de Jesus é contado pelos Evangelhos canônicos: Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, pertencentes ao Novo Testamento da Bíblia e adotados oficialmente pela Igreja Católica, ainda no período de formação da religião e também, pelos Evangelhos Apócrifos, textos que não fazem parte da Bíblia e que não são adotados como forma de leitura pela Igreja, mas que apresentam também muitos relatos relacionados a Jesus. 
Esses Evangelhos narram os fatos mais importantes da vida de Jesus. Os Atos dos Apóstolos contam um pouco do que sucedeu nos 30 anos seguintes. As Epístolas (ou cartas) de Paulo também citam fatos sobre Jesus. Notícias não-cristãs de Jesus e do tempo em que ele viveu encontram-se nos escritos de Josefo,  historiador judaico-romano, que nasceu no ano 37 d.C.; nos regiistros de Plínio, o Moço, que escreveu por volta do ano 112; nos relatos de Tácito, que escreveu por volta de 117; e nos de Suetônio, que escreveu por volta do ano 120. 
Há duas apresentações nos Evangelhos sobre a genealogia de Jesus. Uma delas está logo no começo do livro de Mateus (Mateus 1:1-17) e se refere à linhagem real de Jesus por intermédio de José, apresentando-o como descendente do Rei Davi. A outra encontra-se registrada por Lucas (Lucas 3:23-38) e fala da linhagem de Maria, que também descende de Davi. 
Mateus menciona sinteticamente um total de 46 antepassados que teriam vivido até uns dois mil anos antes de Jesus, começando por Abraão. Em seu relato, o apóstolo cita não somente heróis da fé, mas também menciona os nomes das mulheres estrangeiras que fizeram parte da genealogia tanto de Jesus quanto de Davi, que no caso foram Rute, Raabe e Tamar. Também não omite os nomes dos perversos Manassés e Abias, ou de pessoas que não alcançaram destaque nas Escrituras judaicas. Divide então a genealogia de Jesus em três grupos de catorze gerações: de Abraão até Davi, de Davi até o cativeiro babilônico, ocorrido em 586 a.C., e do exílio judaico até Jesus. 
Lucas, por sua vez, aborda a genealogia de Jesus a partir de sua mãe, retrocedendo continuamente até Adão, talvez com o objetivo de mostrar o lado humano de Jesus. E, superando Mateus, Lucas fornece um número maior de antepassados de Jesus. 
De acordo com o relato de Lucas, na época do rei Herodes o sacerdote Zacarias, esposo de Isabel — ambos já de idade avançada —, recebeu a promessa do nascimento de João Batista através do anjo Gabriel. 
No sexto mês da gestação de Isabel, o mesmo anjo Gabriel aparece a Maria na cidade de Nazaré, a qual era virgem e noiva de José, e anuncia que ela viria a conceber do Espírito Santo e que daria ao seu filho o nome de Jesus. Mateus traz a informação de que José, ao saber que sua noiva estava grávida, não teria compreendido inicialmente que Maria recebera a missão de conceber o Messias e se afastou dela. Mas em sonho, um anjo o revelou a vontade de Deus, e aceitando-a, recebeu Maria como esposa. 
Segundo Mateus, o imperador Otávio Augusto teria promovido um recenseamento de todos os habitantes do Império, tendo estes que se alistar em suas respectivas cidades. José, por ser da cidade de Belém, teria levado Maria até esta cidade. Chegando ao local de destino, por não terem encontrado hospedagem, Jesus nasce em uma manjedoura. Segundo Lucas, os pastores da região, avisados por um anjo, vieram até o local do nascimento de Jesus. 
Completados os oito dias que determinava a tradição judaica, Jesus foi apresentado ao templo por sua família para ser circuncidado, quando foi abençoado por Simeão e Ana. 
Segundo o relato do evangelista Mateus, Jesus teria recebido a visita dos magos do oriente, os quais, segundo a tradição natalina, seriam três reis da Pérsia. Os magos teriam chegado a Jerusalém seguindo a trajetória de uma estrela que anunciaria a vinda do Messias ao mundo. E, ao encontrarem Jesus numa casa com Maria, adoraram-lhe e ofertaram ouro, incenso e mirra representando, respectivamente, a sua realeza, a sua divindade e a sua imortalidade. Por causa desta visita Herodes teria se decidido a matar aquele que lhe iria tomar o trono. Tal notícia teria chegado a José, que então fogiu com Maria e o menino para o Egito. Jesus e sua família teriam permanecido no Egito até a morte de Herodes, quando então José, após ser avisado por um anjo em seus sonhos, retorna para a cidade de Nazaré. 
Pouco sabem os historiadores sobre a infância de Jesus. Conforme o Evangelho de Mateus, Jesus teria passado o começo de sua infância no Egito até a morte do rei Herodes, que queria matá-lo. 
Em virtude da lacuna deixada pelos Evangelhos Canônicos, o pouco que se sabe da infância de Jesus provém de um relato sobre sua vida dos cinco aos doze anos, feita por Tomé, filósofo israelita do século I, conhecido como "A Infância do Senhor Jesus", também denominado como o Evangelho do Pseudo-Tomé, um antigo manuscrito apócrifo escrito em Siríaco. Porém é conveniente salientar que tais fontes têm sua autenticidade contestada, e em alguns casos é notória a influência do pensamento de grupos religiosos dos século II ao IV, diversos das raízes tradicionais cristãs. 
Em umas das poucas referências canônicas à juventude de Jesus, Lucas diz que, aos 12 anos, ele foi com os pais de Nazaré a Jerusalém, para a festa de Pessach, a Páscoa judaica, e lá surpreendeu os doutores do Templo pela facilidade com que aprendia os ensinos, e por suas perguntas intrigantes. 
Todos os três Evangelhos sinóticos descrevem o batismo de Jesus por João Batista, e este evento é descrito pelos eruditos bíblicos como o início do ministério público de Jesus. De acordo com as fontes canônicas, Jesus foi para o rio Jordão onde João Batista estava pregando e batizando as pessoas. 
Mateus descreve que João estava hesitante em atender o pedido de Jesus para ser batizado, alegando que ele é quem deveria ser batizado por Jesus. Mas Jesus insistiu, "Consente agora; porque assim nos convém cumprir toda a justiça." (Mateus 3:15). Depois que Jesus foi batizado e saiu da água, Marcos afirma que Jesus "viu os céus se abrirem, e o Espírito, qual pomba, a descer sobre ele. e ouviu-se dos céus esta voz: Tu és meu Filho amado; em ti me comprazo." (Marcos 1:10–11). O Evangelho de João não descreve o batismo e nem se refere a João como "o Batista" mas ele atesta que Jesus é aquele sobre quem João tinha pregado — o Filho de Deus. 
Após o seu batismo, Jesus foi levado para o deserto por Deus, onde jejuou durante quarenta dias e quarenta noites. Durante esse tempo, o diabo lhe apareceu e o tentou por três vezes. Em cada uma das vezes, Jesus rejeitou as tentações respondendo com uma citação das escrituras. Em seguida o diabo se foi e os anjos vieram para cuidar de Jesus. 
Os evangelhos narram que Jesus, o messias, veio para "dar a sua vida em favor de muitos" e "anunciar as boas novas do reino de Deus".Durante o seu ministério, é dito que Jesus fez vários milagres, como andar sobre a água, transformar água em vinho, várias curas, exorcismos e ressuscitação de mortos (como Lázaro). 
O evangelho de João descreve três Pessachs durante o ministério de Jesus, e isso implica em dizer que Jesus pregou por pelo menos dois anos e um mês, apesar de algumas interpretações dos evangelhos sinóticos sugerirem um período de apenas um ano. Jesus desenvolveu seu ministério principalmente na Galiléia, tendo feito de Cafarnaum uma de suas bases evangelísticas e se deslocando várias vezes a Tiberíades pelo Mar da Galiléia. Esteve também em cidades como Samaria, na Judéia e sobretudo em Jerusalém logo antes de sua crucificação. Esteve em outros lugares de Israel, chegando a passar brevemente por Tiro e por Sidom, cidades da Fenícia. 
Em suas pregações, Jesus anunciava o reino de Deus e afirmava ser ele o próprio Filho de Deus. Também afirmava ter o poder de perdoar pecados. 
De acordo com os evangelhos sinóticos, Jesus levou três dos seus apóstolos — Pedro, João e Tiago — a um monte para orar. Enquanto lá estavam, Jesus foi transfigurado diante deles. Segundo o relato do evangelista Lucas, seu rosto brilhava como o sol e as suas roupas resplandeciam, então Elias e Moisés apareceram e conversavam com ele. Uma nuvem brilhante os cercou, e uma voz vinda do céu disse: "Este é o meu Filho amado, de quem me comprazo, a ele ouvi". 
Os evangelhos também afirmam que até o final de seu ministério, Jesus começou a alertar seus discípulos de sua morte e ressurreição futura. 
Segundo os quatro evangelhos, Jesus foi com seus seguidores a Jerusalém para celebrar ali a festa da páscoa. Ele entrou na cidade no lombo de um jumento. Foi recebido por uma multidão, que o aclamou como "filho de Davi". Nos evangelhos de Lucas e João, também é chamado de rei. 
Segundo Lucas, alguns dos fariseus, ouvindo o clamor da multidão dos discípulos, chegaram a pedir a Jesus que os repreendesse. Jesus então responde aos fariseus dizendo: "Se eles se calarem, as próprias pedras clamarão" (Lucas 19:40). 
Segundo os sinóticos, Jesus celebrou a páscoa com seus apóstolos — evento chamado pela tradição cristã de "A Última Ceia". Durante a comemoração, Jesus predisse que seria traído por um dos seus apóstolos, Judas Iscariotes. Ao servir o pão, ele disse: "Tomai e comei, este é o meu corpo", logo após, pegou um cálice e disse: "bebei todos, este é o meu sangue, o sangue da nova aliança, que será derramado para a remissão dos pecados". 
O Evangelho segundo João oferece maiores detalhes sobre os momentos da última ceia entre os capítulos 13 e 17, relatando o momento em que Jesus lavou os pés dos discípulos com água, os diálogos com os apóstolos, os últimos ensinamentos que transmitiu antes de morrer e a oração sacerdotal. 
Mais tarde, na mesma noite, segundo os sinóticos, Jesus teria ido para o jardim de Getsêmani, na encosta do monte das Oliveiras, em frente ao Templo, para orar. Três discípulos — Pedro, Tiago e João — faziam-lhe companhia. 
Judas havia realmente traído Jesus, e o entregou aos sacerdotes e aos anciãos de Jerusalém, que pretendiam prendê-lo, por trinta moedas de prata. 
Acompanhado por um grupo de homens armados, Judas chegou ao jardim enquanto Jesus orava, para prendê-lo. Ao beijá-lo na face, revelou a identidade de Jesus e este foi preso. Por parte de seus seguidores houve um princípio de resistência, mas depois todos se dipersaram e fugiram. 
Os soldados levaram Jesus para a casa do Sumo Sacerdote. A lei judaica não permitia que o Sinédrio, a suprema corte judaica, se reunisse durante o Pessach e condenasse um homem à morte durante a noite. Jesus foi acusado primeiramente de ameaçar destruir o templo, mas as testemunhas entraram em desacordo. Depois, perguntaram a Jesus se ele era o Messias, o Filho de Deus e rei dos judeus. Jesus respondeu que era, e foi então acusado de blasfemar ao dizer-se Deus. 
Após isso, os líderes judeus levaram Jesus à presença de Pôncio Pilatos, que então governava a província romana da Judéia. Acusavam-no de estar traindo Roma ao dizer-se rei dos judeus. Como Jesus era galileu, Pilatos enviou-o a Herodes Antipas — filho de Herodes, o Grande — que governava a Galiléia. Lucas conta que Herodes zombou de Jesus, vestindo-o com um manto real, e devolveu-o a Pilatos. 
Era de praxe os governantes romanos libertarem um prisioneiro judeu por ocasião do Pessach. Pilatos expôs Jesus e um assassino condenado, de nome Barrabás, na escadaria do palácio, e pediu à multidão que escolhesse qual dos dois deveria ser posto em liberdade. A multidão voltou-se contra Jesus e escolheu Barrabás. Pilatos condenou então Jesus a morrer na cruz. A crucificação era uma forma comum de execução romana, aplicada, em geral, aos criminosos de classes inferiores. 
Jesus foi vestido com um manto vermelho, puseram-lhe na cabeça uma coroa de espinhos e na mão uma vara de bambu. Os soldados romanos zombavam dele dizendo: "Salve o Rei dos Judeus"[72]. A seguir, espancaram-no e cuspiram nele. Forçaram-no a carregar a própria cruz, até um lugar chamado Gólgota. Ao vê-lo perder as forças, ordenaram a um homem, de nome Simão Cireneu, que tomasse da cruz e a carregasse durante parte do caminho. 
Conduzido para fora da cidade, Jesus foi pregado na cruz pelos soldados romanos. João conta que escreveram no alto da cruz a frase latina "Iesus Nazarenus Rex Iudeorum". Puseram a cruz de Jesus entre as de dois ladrões[73][nota 36]. Antes de morrer, Jesus exclamou: "Elí, Elí, lemá sabactani" que traduzido seria "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?" (Mateus 27:46). Depois de três horas, Jesus morreu. José de Arimatéia e Nicodemos depuseram o seu corpo num túmulo recém-aberto, e o fecharam com uma pedra. 
Os Evangelhos contam que, no domingo de manhã, Maria Madalena foi bem cedo ao túmulo de Jesus, onde encontrou a pedra fora do lugar e o sepulcro vazio. Depois disso, Jesus apareceu a ela e a Simão Pedro. Dois discípulos viram-no na estrada de Emaús. 
Os Evangelhos dizem que os onze apóstolos fiéis encontraram-se com ele, primeiro em Jerusalém e depois na Galiléia onde chegou a ser visto por algumas centenas de pessoas. Porém, é o relato de Mateus que mais oferece detalhes sobre os acontecimentos que envolveram o momento da ressurreição. 
Segundo o Evangelho de Mateus, a ressurreição de Jesus teria sido precedida de um grande terremoto em razão da remoção da pedra que estava na entrada do sepulcro: 
- E eis que houve um grande terremoto; porque um anjo do Senhor desceu do céu, chegou-se, removeu a pedra e assentou-se sobre ela. O seu aspecto era como um relâmpago, e a sua veste, alva como a neve. E os guardas tremeram espavoridos e ficaram como se estivessem mortos. (Mateus, 28:2-4 
Nesta mesma fonte histórica, isto é, no Evangelho de Mateus, é informado também que os líderes judeus da época teriam subornado os guardas para que contassem uma versão diferente, ou seja, que os discípulos teriam levado o corpo de Jesus enquanto os vigias estivessem dormindo 
Além dos quatro Evangelhos e do livro de Atos dos Apóstolos, há outras fontes que falam da ressurreição de Jesus. Uma delas, também encontrada no Novo Testamento bíblico, seria um breve relato de Paulo nos versos de 3 a 8 do capítulo 15 em sua primeira epístola aos coríntios, escrita por volta do ano 55 da era cristã, onde o apóstolo menciona duas outras aparições de Jesus após a sua ressurreição, não registradas nos Evangelhos. Numa delas, Jesus teria sido visto por mais de quinhentas pessoas. Na outra ocasião, teria aparecido ao seu parente Tiago, o qual, após esta experiência, teria se tornado um seguidor e líder da Igreja de Jerusalém, escrevendo ainda um dos livros do Novo Testamento. 
A ascensão de Jesus é relatada nos Evangelhos de Marcos e de Lucas, além de constar no começo do livro de Atos dos Apóstolos, o qual também foi escrito por Lucas. 
Em Atos, Lucas narra que Jesus, após ressuscitar, apareceu durante quarenta dias aos apóstolos, passando-lhes ensinamentos e confirmando que receberiam o Espírito Santo. Prossegue o evangelista informando que, após esses dias, Jesus foi elevado às alturas até ser encoberto por uma nuvem. 
Marcos, em seu resumido Evangelho, apenas comenta que Jesus, depois de ter falado aos seus discípulos, foi recebido nos céus e se assentou à direita de Deus. É Lucas quem dá mais detalhes sobre esse momento, informando ter sido em Betânia que Jesus se despediu de seus discípulos, abençoando-os enquanto era elevado para o céu (Lucas 24:50-52). 
Por sua vez, em Atos, o seu segundo livro, Lucas relata que, durante a ascensão de Jesus, os discípulos permaneceram olhando para o céu até que tiveram a visão de dois anjos que lhe indagaram sobre aquela atitude, os quais teriam proferido as seguintes palavras: 
Varões galileus, por que estais olhando para as alturas? Este Jesus que dentre vós foi assunto ao céu virá do modo como o vistes subir — Atos, 1:11 
Diferente da ocasião da dramática morte de Jesus na cruz, Lucas diz que os discípulos não ficaram entristecidos com a aparente separação ocorrida na ascensão, mas retornaram felizes para Jerusalém. 
Já nos Evangelhos escritos pelos apóstolos Mateus e João, não há nenhuma descrição sobre a ascensão de Jesus. Em Mateus, por exemplo, o texto termina na segunda parte do seu último verso com a frase de que Jesus permanecerá todos os dias com os seus discípulos até o fim do mundo (Mateus 28:20). 
Mesmo depois da ascensão, as obras que compõem o Novo Testamento bíblico trazem outros relatos de aparições de Jesus, como ocorre na conversão de Saulo e também na visão de João quando o apóstolo é arrebatado aos céus durante sua prisão em Patmos e recebe a missão de escrever o Apocalipse. 


JESUS HISTÓRICO

Naquela época vivia Jesus, homem sábio, de excelente conduta e virtude reconhecida. Muitos judeus e homens de outras nações converteram-se em seus discípulos. Pilatos ordenou que fosse crucificado e morto, mas aqueles que foram seus discípulos não voltaram atrás e afirmaram que ele lhes havia aparecido três dias após sua crucificação: estava vivo. Talvez ele fosse o Messias sobre o qual os profetas anunciaram coisas maravilhosas", trecho de "Antiguidades Judaicas", de Flavio Josefo, primeiro historiador judeu, ano 95 d.C. 
Nenhum outro debate permaneceu durante tanto tempo em voga quanto os que dizem respeito a Jesus de Nazaré. Personagem controverso e questionado por alguns, Jesus permanece como fonte de estudos para pessoas interessadas em sua mensagem espiritual, enquanto outros procuram saber mais sobre a influência que exerceu sobre um elevado número de pessoas na Palestina. Para os Cristãos, ele é o Messias, salvador da humanidade. Já para os muçulmanos, um grande profeta. Enquanto isso, um outro contingente acredita que toda sua pregação não passa de um mito criado por fanáticos religiosos. 
Em meio à essas discussões, arqueólogos, teólogos e historiadores buscam encontrar vestígios concretos da época em que Jesus viveu para conhecer mais sobre seus costumes e saber mais sobre o contexto da região. No atual momento das pesquisas, já não se questiona mais a existência de Jesus. Agora, resta saber o que ele, de fato, fazia, como se relacionava com as pessoas e a importância que teve no cenário da Judéia no primeiro século. 
"Não é preciso comprovar a existência de Jesus arqueologicamente, pois existem várias evidências históricas. Além da literatura cristã primitiva temos testemunhos do Talmude, um dos textos sagrados do judaísmo, e de Josefo, o primeiro historiador judeu. Do ponto de vista histórico, é mais do que suficiente", explica o teólogo da UMESP (Universidade Metodista de São Paulo), Gabriele Cornelli. "A arqueologia serve para descobrir qual era o contexto econômico, social, financeiro e agrícola da Galiléia. Descobrir, por exemplo, quantas pessoas moravam na região, qual era a ocupação econômica principal e coisas do tipo, para colocar a figura de Jesus no seu berço." 
A busca pelo Cristo da história, não somente o apresentado pela religião, tem mostrado que grande parte do que está apontado na Bíblia tem encontrado reflexo na arqueologia. Um ponto comprovado, por exemplo, é o status financeiro da região, bem como a atividade de Jesus e José, descritos como marceneiros pela Bíblia. 
"Nessas pesquisas, foi possível descobrir que a Galiléia era uma região pobre e rural. Mas que atravessava um momento de forte expansão urbanística. Portanto, era preciso muita mão de obra", relata Cornelli. "Por conseqüência, de marceneiros. Assim, a informação de que a família de Jesus fosse de marceneiros no interior procede do ponto de vista da migração de trabalhadores da construção." 
Outra questão em que se avançou bastante é na relação política entre romanos e judeus à época. Assim, a crise política apontada no polêmico filme "A Paixão de Cristo", de Mel Gibson. Na obra, Pilatos se vê indeciso entre atender às exigências de Caifás, o sumo sacerdote, ou libertar Jesus, em quem não vê culpa. Essa divisão é sustentada por estudos que apontam a Judéia como uma região politicamente instável e tida como um provável berço de insurreições contra o domínio de César. Desta forma, negar o clamor por crucificação poderia significar a explosão de uma guerra civil, uma vez que a população estava dividida. 
"Vemos na história romana alguns indícios de que a Judéia sempre foi vista como uma região repleta de rebeldes, dispostos a promover uma insurreição a qualquer momento. Todas as províncias romanas tinham o direito de ter um rei próprio, mas Jerusalém e a Judéia perdem essa condição e sofrem intervenção através de um procurador romano. Pilatos foi um desses", detalha o teólogo da Unasp (Centro Universitário Adventista de São Paulo), Rodrigo Pereira da Silva. "Nesse aspecto, faz muito sentido a visão do Mel Gibson de que Pilatos temia uma guerra civil. E era provável que isso acontecesse mesmo." 


A Paixão de Cristo 

Compreendendo melhor o contexto histórico, os pesquisadores têm avançado em eventos considerados mais importantes, como a Paixão de Cristo. Embora ainda muito contestado, algumas descobertas têm servido para esclarecer determinados pontos da crucificação e morte de Jesus de Nazaré. Atualmente já se sabe que, ao contrário do que indicava a lei da época, os romanos abriam algumas exceções para que criminosos condenados à morte por crucificação pudessem ser sepultados por suas famílias. Isso acontecia, principalmente, no caso de famílias ricas (vale lembrar que, segundo a bíblia, foi José de Arimatéia, um rico senador, que solicitou a Pilatos o corpo de Jesus - Marcos 15:43). 
Essas confirmações foram fortemente reforçadas em 1968. Após a Guerra dos Seis Dias, foi encontrada uma caixa mortuária de um jovem que teria sido crucificado. "Nesta caixa de pedra estava gravado o nome ´Iohanan, bar Hagagol` (João, filho de Hagagol). Nesse achado, um dos ossos do calcanhar tinha um cravo romano atravessado nele. É o único corpo de alguém crucificado que se encontrou até hoje, porque os demais os romanos jogavam em lixões, pois não tinham direito a sepultamento digno. Esse foi uma das exceções", relata Silva. Essa descoberta também apontou alterações na forma como se imaginava a crucificação, pois demonstrou que o cravo não era transpassado no peito do pé, e sim na lateral do calcanhar. 
Os estudos apontaram também os rituais de sepultamento dos judeus do primeiro século. Os mortos não eram sepultados imediatamente. Após seu falecimento, eram lavados, envoltos em um lençol e colocados em uma caverna, onde permaneciam durante anos. "Depois desse período, a pedra era removida, tiravam-se os ossos da pessoa, colocavam em caixas de pedra e elas eram colocadas em uma parede, para economia de espaço. O sepultamento, propriamente dito, era a remoção dos ossos da caverna", explica Silva. O relato da ressurreição de Jesus (e também a de Lázaro) diz respeito a esta fase da caverna. 
Ainda assim, alguns pesquisadores contestam os detalhes da crucificação alegando que algumas contradições não permitem que se julgue completamente verdadeiro o martírio. Um fator bastante contestado, por exemplo, é o fato de o julgamento ter sido realizado durante a noite, o que era proibido pelo governo romano. Outra questão é que, segundo o Torá, ninguém poderia ser sacrificado antes da Páscoa. 
"Alguns se apegam esses detalhes contra a historicidade do julgamento de Jesus. Mas se isso procedesse, teríamos que anular centenas e centenas de julgamentos que sabemos que não foram justos. Há uma série de julgamentos, o de Sócrates, por exemplo, em que foram quebrados vários direitos dos condenados. De fato, houve muita ilegalidade no julgamento de Jesus, mas isso não desmente que aquilo aconteceu", rechaça Silva, que também é curador do Museu Brasileiro de Arqueologia Bíblica, localizado no interior de São Paulo, próximo à cidade de Campinas. 


Fé e razão 

A busca de pesquisadores pela história real da bíblia pouco tem a ver, no entanto, com a fé - ou a ausência dela - dos mesmos. Em geral, os arqueólogos e historiadores não pretendem comprovar, ou contestar, a Bíblia. Sua intenção é compreender o mundo atual e os atores que o conduziram a esta condição. "Existem muitas pessoas que falam besteira sobre isso. Se deixam conduzir simplesmente pela questão da fé. Se você acredita na salvação, ok. Mas os estudos histórico-científicos não têm nada a ver com fé", diz Cornelli. 
No entanto, é difícil afirmar que os dois fatores são necessariamente exclusivos. "É bom ressaltar que a arqueologia não tem como pressuposto provar a bíblia. Este é um livro que demanda fé e fala de coisas sobrenaturais. Não consigo provar, por exemplo, que Jesus andou sobre as águas. Mas consigo, pelos estudos, confirmar ou desmentir os fatos históricos que ela conta", diz Silva. "A religião é fé. Mas isso também demanda o lado racional. As religiões têm sido desacreditadas por diversas razões. Posso ser racional, trabalhar com método científico, e, com mais certeza, crer no que está escrito na Bíblia e acreditar que ela é a palavra de Deus." 


Documentos comprovam existência histórica de Jesus 

Além de toda a literatura produzida por seguidores, como os 27 livros do Novo Testamento, documentação produzida por historiadores e governantes contemporâneos atestam a historicidade da existência e missão de Jesus Cristo. 
O historiador José Flávio (37-97 d.C.), nascido em Jerusalém, conheceu a primitiva comunidade cristã e, como pertencente à nobreza sacerdotal judaica, ocupou-se criticamente dos seguidores de Jesus. Em sua obra Antigüidades Judaicas, ele afirma que,
 "...neste período viveu Jesus, homem sábio (se é possível chamá-lo de homem). Ele fez obras maravilhosas. Ele atraiu a sí muitos judeus e pagãos. E quando, pelas acusações dos nossos homens de prestígio, Pilatos o condenou à crucificação, aqueles que o tinham amado não o abandonaram. Ainda hoje não desapareceu o gênero dos que dele têm o nome de cristãos" (XVIII 3,3).
Plínio, o moço, escreveu ao imperador Trajano no ano 112 para saber como se comportar em relação aos cristãos. Em sua carta explica:
"É meu costume, meu senhor, referir a ti tudo aquilo acerca do qual tenho dúvidas... Nunca presenciei a julgamento contra os cristãos... Eles admitem que toda sua culpa ou erro consiste nisso: que usam se reunir num dia marcado antes da alvorada, para cantar hino a Cristo como Deus... Parecia-me um caso sobre o qual devo te consultar, sobretudo pelo número dos acusados... De fato, muitos de toda idade, condição e sexo, são chamados em juízo e o serão. O contágio desta superstição invadiu não somente as cidades, mas também o interior; parece-me que ainda se possa fazer alguma coisa para parar e corrigir... " (Ep. X, 96).
O procurador da Judéia, Públius Lêntulus, dirigiu carta ao Imperador Tiberius César no ano 32, provavelmente a pedido desse, apresentando um retrato falado de Jesus.
''Existe nos nossos tempos um homem, o qual vive atualmente, de grandes virtudes, chamado Jesus, que pelo povo é inculcado profeta da verdade e os seus discípulos dizem que é filho de Deus, criador do Céu e da Terra e de todas as coisas que nela se acham e que nela tenham estado; em verdade, cada dia se ouvem coisas maravilhosas desse Jesus; ressuscita os mortos, cura os enfermos; em uma só palavra: é um homem de justa estatura e é muito belo no aspecto. Há tanta majestade no rosto, que aqueles que o vêem são forçados a amá-lo ou a temê-lo. Tem os cabelos da cor da amêndoa bem madura, distendidos até às orelhas e das orelhas até às espáduas, são da cor da terra, porém mais reluzentes. Tem no meio da sua fronte uma linha separando os cabelos, na forma em uso nos Nazarenos; o seu rosto é cheio, o aspecto é muito sereno, nenhuma ruga ou mancha se vê em sua face de uma cor moderada; o nariz e a boca são irrepreensíveis. A barba é espessa, mas semelhante aos cabelos, não muito longa, mas separada pelo meio; seu olhar é muito especioso e grave; tem os olhos graciosos e claros; o que surpreende é que resplandecem no seu rosto como os raios do sol, porém ninguém pode olhar fixo o seu semblante, porque quando resplende, apavora, e quando ameniza faz chorar; faz-se amar e é alegre com gravidade. Diz-se que nunca ninguém o viu rir, mas, antes, chorar. Tem os braços e as mãos muito belos; na palestra contenta muito, mas o faz raramente e, quando dele alguém se aproxima, verifica que é muito modesto na presença e na pessoa. É o mais belo homem que se possa imaginar, muito semelhante à sua mãe, a qual é de uma rara beleza; não se tendo jamais visto, por estas partes, uma donzela tão bela... De letras, faz-se admirar de toda a cidade de Jerusalém; ele sabe todas as ciências e nunca estudou nada. Ele caminha descalço e sem coisa alguma na cabeça. Muitos se riem, vendo-o assim, porém em sua presença, falando com ele, tremem e admiram. Dizem que um tal homem nunca fora ouvido por estas partes. Em verdade, segundo me dizem os hebreus não se ouviram, jamais, tais conselhos, de grande doutrina, como ensina este Jesus; muitos judeus o têm como Divino e muitos me querelam, afirmando que é contra a lei de tua Majestade. Diz-se que este Jesus nunca fez mal a quem quer que seja, mas, ao contrário, aqueles que o conhecem e com ele têm praticado, afirmam ter dele recebido grandes benefícios e saúde.